* Por Rosa Malena Gehlen Peixoto de Oliveira
** publicado em 18 de março de 2025
A Lei 14.599/2023, fruto da conversão da Medida Provisória 1152/2022, alterou a Lei 11.442/2007, que regula o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração. Essa alteração introduziu um novo cenário relacionado aos seguros obrigatórios dos transportadores rodoviários.
Em razão da alteração legislativa, além do Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C), obrigatório desde 1966, por força do Decreto 73/1966, regulamentado pelo Decreto 61.867/1967, tornaram-se igualmente obrigatórios o Seguro de Responsabilidade Civil por Desaparecimento de Carga (RC-DC) e o Seguro de Responsabilidade Civil de Veículo (RCV).
Embora a lei tenha trazido a obrigatoriedade da contratação de dois novos seguros ao transportador rodoviário de cargas, ela também corrigiu uma distorção que há muito era questionada.
A unicidade das apólices dos seguros obrigatórios do Transportador
Segundo dispõe o parágrafo quinto do artigo 13 da Lei 11.442/2007, com a nova redação atribuída pela Lei 14.599/2023: “os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo serão contratados mediante apólice única para cada ramo de seguro, por segurado, vinculado ao respectivo RNTRC”.
Ademais, o parágrafo primeiro do mesmo artigo determinou que “os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo deverão estar vinculados a Plano de Gerenciamento de Riscos (PRG), estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, observado que o contratante do serviço de transporte poderá exigir obrigações e medidas adicionais relacionadas a operação e/ou gerenciamento, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas.”
A “Carta de DDR” e as suas consequências práticas
Desde a entrada em vigor da Circular Susep 354/2007, que passou a disciplinar a comercialização do Seguro de Transporte, tornou-se prática comum que os proprietários de cargas contratassem o seguro e estipulassem-no em favor de terceiros transportadores dispensando, ainda, a Seguradora contratada do direito de regresso contra o transportador ou seus prepostos, mediante a contratação de cláusula específica.
A denominada “Carta de DDR”, atrativa num primeiro momento, até por induzir à falsa percepção da desnecessidade de contratar seus próprios seguros, inclusive o seguro obrigatório de RCTR-C, revelou-se com o transcorrer do tempo muito prejudicial aos transportadores.
Com efeito, a dispensa do direito de regresso pela Seguradora em face dos transportadores apenas se sustentava se o Plano de Gerenciamento de Risco (PGR) fosse cumprido.
Igualmente era inaplicável quando houvesse, na apuração do sinistro, a constatação de dolo, culpa grave ou violação às obrigações legais do transportador, consubstanciadas estas no dever de garantir a incolumidade da carga pela qual se responsabiliza objetivamente.
Nesse contexto, sobretudo no transporte de cargas fracionadas, de vários embarcadores, um transportador poderia numa única viagem estar sujeito a vários PGR’s.
A consequência dessa prática resultou em inúmeras ações regressivas de ressarcimento no Poder Judiciário, frequentemente sustentadas, com sucesso, no afastamento da cláusula de dispensa de regresso, o que acarretou a responsabilidade por passivos financeiros para os quais os transportadores não estavam adequadamente preparados.
Tanto isso é verdade, que no transcurso do processo legislativo da conversão da MP 1.152/2023 na Lei 14.599/2023, uma Nota Técnica da assessoria do Deputado Federal Toninho Wandscheer revelou que:
“Dados apurados pelo DECOPE – Departamento de Custos Operacionais e Pesquisas Técnicas e Econômicas da NTC&LOGÍSTICA demonstram que, entre os anos de 2020 e de 2022, cerca de 72 mil empresas de transporte fecharam, muitas delas em decorrência de ações de regressos, uma média de 23,9 mil por ano.”
A mesma Nota Técnica informou, ainda, uma moção da Câmara Internacional da Indústria do Transporte – CIT, na reunião de 20/04/2023, realizada na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em apoio ao Congresso Nacional do Brasil pela aprovação e conversão em lei, por entender que a responsabilidade civil em razão de danos à carga é exclusiva do transportador, entendimento este que foi defendido pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e demais entidades associativas.
A ADI 7579 e o impacto nos seguros de responsabilidade civil do transportador
Entretanto, após a conversão da MP 1.152/2022 na Lei 14.599/2023, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou, em dezembro de 2023, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7579 perante o Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade do referido artigo 13, especificamente seus parágrafos primeiro; quarto, inciso II, e quinto.
O Ministro Nunes Marques, relator da ADI, aplicou o rito do artigo 12, da Lei 9.868/1999, em razão do pedido de medida liminar postulado pela CNI.
Por essa razão, após a constitucionalidade formal e material ter sido defendida pela Câmara dos Deputados, Senado Federal, Presidência da República, que recebeu notas técnicas do Ministério do Transporte, Agência Nacional dos Transportes Terrestres, da Polícia Rodoviária Federal; colheu-se a manifestação da Advocacia Geral da União, e o parecer da Procuradoria Geral da República. Todos, sem exceção, manifestaram-se pela constitucionalidade da lei.
Desfecho ainda é incerto
De toda forma, embora a Lei 14.599/2023 esteja em vigor desde 20 junho de 2023, é fato que sua regulamentação só ocorreu com a Resolução CNSP 472/2024, editada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e publicada em 30 de setembro de 2024.
E a se ver do artigo 57, da referida Resolução, as Seguradoras, sob pena de cancelamento automático das apólices e aplicação de penalidades cabíveis, devem promover os devidos ajustes às diversas alterações promovidas pela Lei 14.599/2023 dentro de 180 (cento e oitenta) dias, prazo esse que se encerra no penúltimo dia de março.
Portanto, à espera de uma manifestação do Ministro Nunes Marques, uma vez que a ADI 7579 foi encaminhada para apreciação no dia 07 de janeiro deste ano e, diante dos aguardados e importantes ajustes nas apólices dos Seguros de RCTR-C e RC-DC ante o disposto pela Lei 14.599/2023, ainda não se pode concluir se estamos diante do “último capítulo” ou do próprio “epílogo”.
* Especialista em Compliance pela PUC/MG; em Direito Empresarial pelo UniCuritiba; em Direito Processual Civil, pela PUC/PR; e em Direito Aplicado pela EMAP/PR. Certificada em Gestão de Riscos, ISO 31000 Risk Management Professional C-31000, pelo G31000 Risk Institute. Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, seção Brasil. Membro do CIST – Clube Internacional de Seguros & Transportes. Membro da Comissão de Direito Securitário, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná. Advogada e Corretora de Seguros. Diretora Técnica na Artus Consultoria e Corretora de Seguros.
** Artigo publicado originalmente pela Revista O Consultor Jurídico (CONJUR) em https://www.conjur.com.br/2025-mar-18/a-adi-7579-e-o-futuro-dos-seguros-do-transportador-rodoviario-de-cargas/