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Resolução CNSP 472/2024: seguros do transportador rodoviário de carga

Por Rosa Malena Gehlen Peixoto de Oliveira*

Publicada em 30 de setembro de 2024, a Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados 472/2024 estabeleceu diretrizes a serem observadas no tocante aos seguros de responsabilidade civil dos transportadores de carga, abrangendo, nessa perspectiva, os seguros dos variados modais de transporte, quais sejam, aéreo, aquaviário, ferroviário, rodoviário e o multimodal [1].

Nessa ambiência, o objetivo da resolução foi adequar a regulamentação do grupo dos seguros de transporte às inovações trazidas pela Lei 14.599/2023, em vigor desde 20 de junho de 2023, em que pese precedida pela Medida Provisória 1.153/2022.

O objetivo desse artigo, no entanto, limitar-se-á a abordar os seguros de responsabilidade civil de contratação obrigatória pelos prestadores de serviço de transporte rodoviário de carga, devidamente registrados no Registro Nacional dos Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC) perante a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).

Portanto, tem-se por desiderato pontuar breves notas sobre o Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C); sobre o Seguro de Responsabilidade Civil por Desaparecimento de Carga (RC-DC) e sobre o Seguro de Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V), todos previstos pelo artigo 13, incisos I, II e III, respectivamente, da Lei 11.442/2007 com as alterações e inovações promovidas pela Lei 14.599/2023, acima referida.

Assim, diante da nova Resolução, sem pretensão de esgotar o tema, vale ressaltar alguns importantes aspectos.

Responsabilidade civil de veículo

O primeiro deles se refere à ausência de qualquer menção sobre o seguro de responsabilidade civil de veículo, o seguro de RC-V.

Esse seguro de responsabilidade civil, de contratação obrigatória, visa a conferir cobertura para danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo utilizado no transporte rodoviário de carga.

Malgrado a importância para a sociedade, porquanto trata-se de um seguro que tem por desiderato garantir indenização a qualquer pessoa que venha a ser lesada pelo veículo de carga, revelando-se nesse sentido mais abrangente em relação à vítima quando comparado com os seguros de RCTR-C e RC-DC, cuja indenização é de regra destinada ao proprietário da carga, segue sem regulamentação e poucas são as seguradoras que dispõe de produto próprio [2] para atender o comando legal.

Em nota, a Susep informou que o seguro de RC-V foi objeto da Consulta Pública nº 3/2024, cujas contribuições ainda seguem em análise.

Unicidade da apólice

O segundo ponto a se ressaltar é sobre a expressa menção acerca da unicidade da apólice, tanto para o RCTR-C, conforme se lê do artigo 9º, § único, quanto para o RC-DC, segundo se extrai do artigo 18, § único, ambos da nova Resolução 472.

Nesse sentido, uma única apólice para cada um dos referidos seguros não só reafirma o artigo 13, § 5º, da Lei 11.442/2007, com as alterações da Lei 14.599/2023, segundo o qual “os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo serão contratados mediante apólice única para cada ramo de seguro, por segurado, vinculados ao respectivo RNTR-C”, como afasta qualquer disposição em sentido contrário, seja de natureza normativa, seja de natureza convencional.

Isso porque o artigo 20, inciso IV, da Resolução 210/2011, do CNSP, que dispõe sobre o seguro de RCTR-C, permite apólices adicionais por estipulação do embarcador. Em razão dessas estipulações exsurgiam as famosas cláusulas ou cartas de DDR’s, que isentavam o transportador da sua responsabilidade e dispensavam o direito de regresso das seguradoras contra eles, embora, na prática, após os sinistros, acabassem desaguando no Judiciário e expondo a enorme vulnerabilidade do transportador.

Esse é o motivo pela qual a nova lei passou a prever que “o proprietário da mercadoria, contratante do frete, independentemente da contratação pelo transportador dos seguros que cobrem suas responsabilidades previstos nos incisos I e II do caput deste artigo, poderá, a seu critério, contratar o seguro facultativo de transporte nacional para cobertura das perdas e danos dos bens e mercadorias de sua propriedade”, conforme se vê do artigo 13, § 8º, da Lei 11.442/2007, igualmente com modificações advindas da Lei 14.599/2023.

Assim, agora, tem-se claro que incumbe ao transportador contratar os seguros obrigatórios por força de lei e ao proprietário da carga, ao seu turno, contratar facultativamente o seguro de transporte, mas sob qualquer hipótese este não mais dispensará (assim como nunca dispensou [3]) aquele.

Franquia e a capacidade econômica financeira do segurado

O terceiro aspecto da Resolução 472/2024 que vale destacar é o que se refere à fixação de participação obrigatória ou franquia, que basicamente representam a participação do segurado nos prejuízos em caso de sinistro.

No caso do seguro de RCTR-C, a Resolução 219/2010, em seu artigo 2º, §1º, veda o estabelecimento de ambas para a contratação da cobertura básica, o que segue mantido na nova Resolução 472/2024, segundo se extrai do seu artigo 10, §2º.

No entanto, no que se refere ao seguro de RC-DC é de se ver da leitura do artigo 19, § 5º, da Resolução, que “a franquia ou a participação obrigatória do segurado, quando estabelecidas, não poderão ser fixadas em valores ou percentuais incompatíveis com a capacidade econômico-financeira do segurado”.

É impossível não constatar, salvo melhor juízo, que o “controle” criado, a compatibilidade com a capacidade econômico-financeira do segurado, será muito provavelmente de difícil aplicação prática.

Isso porque a Resolução quedou em trazer mínimos requisitos ou parâmetros para se caracterizar o que seria a capacidade econômico-financeira ou, a contrario sensu, a incapacidade, pois é preciso ter mente que o ambiente negocial entre as partes é de natureza empresarial [4] com mínima margem de revisão judicial, ex vi do artigo 421-A, inciso III, do Código Civil.

Riscos cobertos no RC-DC

Outro ponto importante a se discorrer, ainda que brevemente, é sobre os riscos cobertos no seguro de RC-DC.

Antes da Lei 14.599/2023 instituir a obrigatoriedade deste seguro, a contratação se dava de forma facultativa dentro do previsto, desde 1985, pela Resolução 27, posteriormente revogada pela Resolução 422/2011, ambas do CNSP.

Desde 1985, portanto, as condições gerais das apólices de RC-DC previam a cobertura para perdas ou danos pelo desaparecimento da carga concomitantemente com o veículo transportador, em decorrência de furto simples ou qualificado, roubo, extorsão simples ou mediante sequestro, entre outros riscos cobertos.

Ou seja, havia uma condição para o pagamento da indenização, qual seja que, além da carga, desaparecesse também o veículo transportador.

Palco de inúmeras disputas judiciais, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a legalidade dessa cláusula restritiva da cobertura indenitária sob o entendimento que:

O contrato de seguro contém cláusula que prevê a cobertura para sinistro ocorrido com carga decorrente de apropriação indébita ou estelionato, mas exclui tal direito quando, no sinistro, não se perder também o veículo transportador. Tal cláusula está redigida com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, não sendo, pois, abusiva (…) (AgRg no AREsp 402139 / SC. 4ª. Turma. Relator Ministro RAUL ARAÚJO. Dje 11/09/2015).”

Contudo, como a Lei 11.442/2007, com as adições realizadas pela Lei 14.599/2023, apenas previu a “responsabilidade civil do transportador rodoviário pelo desparecimento de carga (RC-DC) para cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte”, a limitação contratual que exige o desparecimento também do veículo transportador, na forma em que aplicada desde 1985, perde o seu substrato jurídico, razão pela qual o artigo 19 da nova Resolução 472, passa a ajustar os riscos cobertos sem a referida exigência.

Essa é, sem dúvida, uma alteração muito expressiva.

Plano de gerenciamento de riscos

Por fim, um último ponto a se destacar nessas breves notas é a respeito do PGR, ou seja, o Plano de Gerenciamento de Riscos previsto no artigo 14, §9º, da Lei 11.442/2007, introduzido pela Lei 14.599/2024, agora regulamentado pela Resolução 472/2024.

O artigo 37 da nova Resolução esclarece que PGR vinculado ao seguro de RCTR-C e ao seguro de RC-DC “deverá ser estabelecido de comum acordo entre o segurado e a sociedade seguradora e estar previsto em documento próprio”.

Pontue-se a esse respeito que o Superior Tribunal de Justiça também já se debruçou sobre esta temática e fixou a tese da legalidade da exigência securitária de adoção do PGR, por se tratar de uma medida válida para prevenção de sinistros [5].

Note-se, ademais, que parágrafo único, do supracitado artigo 37, da Resolução, traz um esclarecimento adicional de que o PGR não se insere no âmbito da atuação da Susep, de modo que se trata de um contrato acessório ao contrato de seguro, absolutamente de natureza privada, a não atrair qualquer supervisão, regulação ou fiscalização da entidade autárquica.

Posta essas breves notas, conclui-se que embora fosse muito aguardada pelo setor, a Resolução não elucidou todos os pontos necessários trazidos pela Lei 14.599/2023, como a regulamentação do seguro de RC-V, ao tempo que criou aspectos obscuros, a se ver da “capacidade econômico-financeira” do segurado para avaliar eventual abusividade na fixação de franquias ou participação obrigatória do segurado havendo sinistro.

Seja como for, como determinado pelo artigo 57, da Resolução em análise, as seguradoras têm cento e oitenta a dias, contados a partir de 30 de setembro de 2024, para ajustar os planos de seguros do RCTR-C e do RC-DC, sob pena de aplicação das penalidades cabíveis.


[1] Conforme explicita o inciso VII, do artigo 2º, da Resolução 472/2024, o transporte multimodal de cargas é “aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um operador de transporte multimodal, conforme a Lei 9.611/1998”.

[2] Na atualidade apenas é possível contratar o seguro de RC-V quando vinculado ao ramo de automóveis, ramo 53, razão pela qual somente contratando a cobertura básica para o veículo é que se pode contratar a cobertura de RC-V.

[3] RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REGRESSO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. TOMBAMENTO DO CAMINHÃO E PERDA PARCIAL DA CARGA. HIPÓTESE DE RCTR-C. CLÁUSULA DE DISPENSA DO DIREITO DE REGRESSO (DDR). INAPLICABILIDADE NAS HIPÓTESES DE RISCOS COBERTOS POR SEGURO OBRIGATÓRIO. DEVER DO TRANSPORTADOR. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA NO ÂMBITO DAS AGÊNCIAS CONTROLADORAS. PREVISÃO EM SINTONIA COM O DISPOSTO NA CIRCULAR N.º 219/2010 DA CNSP, ART. 20, “H” E “M”, DO DECRETO LEI Nº 73/1966 E ART. 10 DA CIRCULAR Nº 354/2007 DA SUSEP. DDR AFASTADA NO CASO. DIREITO DE REGRESSO. (AC 0000998-93.2021.8.16.0071. 8ª CC. Rel Des. Clayton de Albuquerque Maranhão. J. 06.02.2023)

[4] SEGURO FACULTATIVO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO POR DESAPARECIMENTO DE CARGA (RCF-DC). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. NATURAL ADESIVIDADE DO CONTRATO. CELEBRAÇÃO ENTRE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS. ESPAÇO REDUZIDO DE REVISÃO JUDICIAL. (…) 5. Não há, pois, reconhecer-se abusividade no caso concreto, senão lídima expressão do exercício da autonomia privada, máxime não se estar diante de uma relação negocial sujeita ao CDC, pois celebrada entre empresários e, notadamente, para o fomento de sua atividade econômica. (STJ. AgInt no REsp 1819498 / PR. 3ª Turma. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Dje 26/10/2022.

[5] SEGURO FACULTATIVO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO POR DESAPARECIMENTO DE CARGA (RCF-DC). PLANO DE GERENCIAMENTO DE RISCOS (PGR). CLÁUSULA LIMITADORA DA COBERTURA. LEGALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA5. A exigência securitária de adoção de Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) às transportadoras – técnicas de acompanhamento de cargas por empresas de segurança e escolta, plano de rotas, rastreadores e monitoramento via satélite, consulta prévia de motorista, horários para execução da atividade, dentre outras tecnologias – não se mostra abusiva ou desproporcional, sendo mais uma medida de prevenção de sinistros e de redução dos prêmios dos seguros. REsp 2063143 / SC. TERCEIRA TURMA. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Dje. 26/10/2023).

Texto originalmente publicado na Revista O Consultor Jurídico, de 06 de outubro de 2024.

* Especialista em Compliance pela PUC/MG; em Direito Empresarial pelo UniCuritiba; em Direito Processual Civil, pela PUC/PR; e em Direito Aplicado pela EMAP/PR. Autora de artigos jurídicos e coautora do livro “Temas Direito Civil Contemporâneo” (2024) publicado pela Atena Editora. Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, seção Brasil. Certificada em Gestão de Riscos, ISO 31000 Risk Management Professional C-3100 pelo G3100 Risk Institute. Advogada e Corretora de Seguros. Diretora Técnica da Artus Consultoria e Corretora de Seguros.
 

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