No setor de seguros de cargas, tanto no seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas, o RCTR-C, contratado pelo transportador para cobrir eventuais perdas às mercadorias do embarcador, quanto no Seguro de Transporte contratado pelo proprietário das mercadorias, o vício próprio é geralmente excluído da cobertura.
Tecnicamente, o vício próprio é considerado um Risco Não Coberto.
Mas, afinal, o que é vício próprio?
Previsto no art. 784, do Código Civil, tem-se que o vício próprio ou intrínseco ou vício corpóreo é um “defeito próprio da coisa” e nessa condição não se inclui na garantia o sinistro provocado por ele.
De acordo com a Resolução CNSP 184/2008, vício próprio ou vício intrínseco é definido como “uma propriedade inerente a certos objetos, capaz de provocar sua destruição ou avaria, sem a interferência de causas externas.”
Nesse contexto, destaca-se um peculiar fenômeno chamado de cavitamia, que afeta determinadas mercadorias. Um exemplo clássico é o algodão.
Vamos entender?
O algodão, que é uma matéria-prima essencial para a indústria têxtil, depende diretamente do transporte para chegar das plantações às indústrias.
O problema ocorre quando o algodão entra em contato com a umidade, iniciando um processo de fermentação nas suas fibras. Esse processo pode evoluir para a cavitamia, que nada mais é do que a autocombustão do algodão causada pelo calor excessivo proveniente dos gases de fermentação.[1]
Diante dessa situação, surgem duas questões importantes quando ocorre incêndio de uma carga de algodão:
A primeira refere-se à exclusão de responsabilidade do transportador. De acordo com o art. 12, inciso III, da Lei 11.442/2007, que regula o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros, o transportador é eximido de responsabilidade em casos de vício próprio da mercadoria transportada, senão leia-se:
“Art. 12. Os transportadores e seus subcontratados somente serão liberados de sua responsabilidade em razão de: (…) III – vício próprio ou oculto da carga.”
A segunda situação, por sua vez, reside na prova da origem do incêndio da carga.
Isto é, embora o algodão possa sofrer autocombustão, não é correto concluir automaticamente que todo incêndio envolvendo algodão se dá por cavitamia.
Para que ocorra a autocombustão, o algodão precisa estar exposto à umidade e passar pelo processo de fermentação. Assim, é essencial investigar detalhadamente as circunstâncias de cada sinistro.
Portanto, são as circunstâncias envolvidas em cada sinistro que definirão precisamente se há ou não vício próprio da mercadoria transportada; se o transportador é ou não responsável pela mercadoria tendo em vista a Lei 11.442/2007, art. 12, inc. III; e se a seguradora deve ou não pagar a cobertura contratada para o seguro de RCTR-C.
Essas situações frequentemente geram controvérsias e ações judiciais, nas quais se discute a negativa de cobertura por parte das seguradoras, especialmente no caso de seguros de RCTR-C.
Como se pode ver no caso abaixo, julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a seguradora não conseguiu comprovar que o incêndio foi exatamente causado por cavitamia, como sustentou, de modo que foi condenada a indenizar a perda da mercadoria, a se ver:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA – CONTRATO DE SEGURO OBRIGATÓRIO RCTR-C – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO DE CARGA – ALGODÃO – INCÊNDIO – SEGURADORA QUE SUSTENTOU A OCORRÊNCIA DE CAVITAMIA – CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE RISCO – INAPLICABILIDADE – CAUSA DO INCÊNDIO IGNORADA – SEGURADORA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO – SENTENÇA MANTIDA. (TJPR – 9ª Câmara Cível – 0006687-22.2017.8.16.0019 – Ponta Grossa – Rel.: DES. DOMINGOS JOSÉ PERFETTO – J. 28.03.2019)
Essa situação demonstra que a prova é essencial para determinar se houve, de fato, vício próprio na mercadoria. Em regra, mercadorias que se tornam impróprias ou avariadas devido a um vício intrínseco não estão cobertas pelo seguro RCTR-C.
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[1] http://ric.cps.sp.gov.br/bitstream/123456789/737/1/20171S_SBORCHIAElaineFerreira_OD0165.pdf